Unicamp cria grupo para combater violência, racismo e assédio dentro da universidade
18/09/2025
(Foto: Reprodução) Alunas fazem protesto contra assédio em quadras de esportes da Unicamp
Arquivo Pessoal
A Unicamp instituiu um grupo de trabalho (GT) para propor a criação de uma política institucional contra a violência. A criação foi publicada na edição de 4 de setembro do Diário Oficial do Estado de São Paulo e deu prazo de 90 dias para conclusão dos trabalhos.
A iniciativa surge em meio a um crescimento dos registros de violência dentro da universidade nos últimos anos. Presidido pelo coordenador-geral da Unicamp, professor Fernando Antonio Santos Coelho, o GT pretende:
mapear as estruturas já existentes;
propor medidas de prevenção;
e melhorar a comunicação com a comunidade acadêmica.
📲 Participe do canal do g1 Campinas no WhatsApp
Em nota, a reitoria da Unicamp afirmou que o grupo de trabalho "tem como objetivo discutir formas de aprimoramento das boas práticas de convivência nos campi". Leia o posicionamento completo aqui.
Tipos de violência abordados pelo grupo
A professora Silvia Gatti, que é membro da Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp) e integrante do novo grupo de trabalho, elencou os tipos de violência que serão abordados pelo grupo, envolvendo docentes, alunos e funcionários da universidade. São elas:
violência sexual;
assédio moral;
racismo contra pessoas negras e indígenas;
violência contra a comunidade LGBTQIAPN+;
capacitismo ou violência contra pessoas com deficiência (PCD), que envolvem pessoas com deficiências físicas, intelectuais, sensoriais (visuais e auditivas) e múltiplas.
“Há indícios de que houve um aumento significativo de casos de assédio em todos os níveis. Isso apareceu muito na campanha para a reitoria, e a atual gestão assumiu como prioridade”, afirmou Gatti.
Dados revelam impunidade em casos de assédio
Entenda a diferença entre racismo e injúria racial
Apesar da ampliação dos atendimentos e criação de serviços especializados para receber denúncias (veja abaixo como denunciar), dados revelam fragilidades na resposta institucional.
No dia 5 de agosto, a conselheira Giovanna Romaro divulgou dados oficiais, obtidos via Lei de Acesso à Informação, em reunião do Conselho Universitário (Consu).
Segundo ela, entre 2015 e 2024, foram 124 denúncias formalizadas de assédio moral, mas nenhuma punição aplicada.
Desse total, 106 casos foram arquivados na fase inicial. A maioria ocorreu nas faculdades e institutos (38%) e na área da saúde (35%).
Para a reitoria da Unicamp, os dados "têm relação direta com a ampliação do número de atendimentos e dos canais de interação com a comunidade".
"A Unicamp conta com uma Diretoria Executiva de Direitos Humanos encarregada de construir e gerenciar as iniciativas de combate a várias formas de discriminação e violência e de promoção da equidade e inclusão. Um grande investimento tem sido feito, especialmente na última década, em contratação, capacitação e aparelhamento, assim como na formulação e implementação de políticas internas", defende a reitoria, em nota.
Romaro também afirma que não existe um protocolo interno de "ficha limpa" para que pessoas com histórico de abuso não sejam beneficiadas internamente na universidade.
"A impunidade por assédio moral, sexual ou discriminação passa uma mensagem muito objetiva: de que para universidade a situação está sob controle e que nada precisa mudar, diz a conselheira.
"Então isso naturaliza comportamentos assediosos na comunidade acadêmica, nas relações de trabalho", completa.
Ainda de acordo com Romaro, "como não há muito prejuízo para quem assedia, continua a prática do assédio como algo aceitável e produz um ambiente tóxico para as relações humanas, impactando diretamente na saúde mental e física de forma coletiva"
"O assédio adoece toda a universidade. E hoje o que vemos é que boa parte dessa comunidade está impactada pelo ambiente de assédio", conclui.
Já a reitoria afirma que a política de enfrentamento à violência sexual e às discriminações de gênero e sexualidade adotada pela universidade é "referência para a formulação de ações e políticas em outras Instituições de Ensino Superior no país".
"A Universidade reitera, assim, o compromisso institucional com a prevenção, o cuidado e a responsabilização, bem como com a promoção de ambientes acadêmicos seguros e respeitosos", diz a administração da universidade.
Ampliar eficiência e melhorar comunicação
Importunação sexual: o que é e como denunciar?
Para Gatti, o trabalho do GT também passa por garantir mais eficiência e transparência nos procedimentos.
"Uma coisa que pode não acontecer é a questão que é colocada, mas não se chega ao fim. As pessoas ou desistem, ou não têm uma informação adequada. Então, é isso... tem que ter eficiência. A eficiência não obrigatoriamente significa punição, né?", afirma Gatti.
A universidade possui canais de denúncias, mas, segundo Gatti, diversos membros do grupo de trabalho defendem que esses métodos não são devidamente divulgados e não há transparência sobre a condução dos processos.
Um dos objetivos do GT é "organizar o que já existe, criar protocolos claros e gerar confiança, para que as pessoas não desistam de denunciar", diz Gatti.
Aumento de casos em 2023
Segundo a professora, a criação do GT atende a uma demanda da comunidade acadêmica. O g1 mostrou, em reportagem de outubro de 2024, que o número de queixas recebidas pelo Serviço de Atenção à Violência Sexual (SAVS) da Unicamp cresceu cinco vezes entre 2022 e 2023.
Entre janeiro a 3 de outubro de 2024, o SAVS contabilizava 99 queixas e 17 denúncias.
Criado para acolher os casos de violência sexual ou discriminação de gênero ocorridos dentro da universidade, o SAVS recebe as queixas de forma sigilosa e é responsável por acionar os setores responsáveis e orientar os denunciantes.
Segundo a reitoria da universidade, o acolhimento dos casos é centralizado, mas o apoio multiprofissional é feito de modo descentralizado, em serviços de saúde, saúde mental, pedagógicos e outros já oferecidos à nossa comunidade.
"O SAVS é a porta de entrada para uma robusta rede de serviços consolidados, que foram preparados para receber tais demandas. Iniciativas de educação e comunicação estão em andamento e sendo continuamente aperfeiçoadas", argumenta a reitoria.
Em 2023, durante o tradicional evento Unicamp de Portas Abertas, um visitante externo proferiu falas ofensivas e racistas contra povos indígenas, o que gerou uma nota pública repudiando o ato e reafirmando o compromisso da universidade com a diversidade.
Em março de 2025, segundo a Unicamp, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) sofreu ataques de cunho político, com filmagens irregulares e agressões destinadas a intimidar professores, estudantes e servidores, em meio a debates institucionais sobre políticas afirmativas.
Leia também:
Estudante diz que indígenas têm que 'tirar tanga e estudar nossa língua' durante evento na Unicamp; VÍDEO
Unicamp demite professor acusado de agredir e ameaçar estudantes com faca
Como denunciar violência na Unicamp?
A Unicamp possui ao menos dois serviços de denúncias.
Em casos de violência sexual:
Professores, estudantes, pesquisadores, funcionários da Unicamp, terceirizados, estagiários, patrulheiros e usuários dos serviços da universidade podem fazer queixas no SAVS.
Sediado em Campinas, o serviço também atende os campi de Limeira (SP) e Piracicaba (SP), além dos colégios técnicos.
O atendimento funciona de segunda a sexta-feira, das 11h30 às 17h30, mas é preciso fazer agendamento pelo e-mail [email protected] ou WhatsApp (19) 3521-7924 (mais informações aqui).
➡️A universidade alerta que, apesar do acolhimento existente no SAVS, casos graves ou que envolvam violência física devem priorizar a ida ao pronto-atendimento no ambulatório do Hospital da Mulher da Unicamp (Caism) ou a serviços médicos de urgência especializados.
Em casos de racismo:
A comunidade pode acionar o Serviço de Acolhimento e Encaminhamento Institucional de Denúncias de Racismo (Saer). O serviço acolhe quem se encontra envolvido em situações de injúria racial e/ou racismo, oferecendo suporte emocional e encaminhamento adequado para cada caso as instâncias superiores responsáveis.
O atendimento funciona de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 14h30, pelo telefone (19) 3521-7090 ou pelo e-mail [email protected] (mais informações aqui).
➡️Para demais denúncias, é possível acionar a Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH), que fica na Rua Sérgio Buarque de Holanda, 800 Sala CB54, ou pelo e-mail [email protected].
VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região
Veja mais notícias sobre a região no g1 Campinas