Fazenda histórica vira refúgio de biodiversidade no interior paulista
A parceria da fazenda com os órgãos e autoridades ligadas ao meio-ambiente fizeram do local um ponto propício à soltura imediata de animais silvestres apreendidos na região de Bauru
Museu do Café/Fazenda São João
A fazenda São João surgiu no fim do século 19. Existem registros históricos da propriedade desde 1895. Foi sub-sede de uma propriedade com grande extensão de terra que se espalhava por vários municípios do interior de São Paulo, como Agudos, Cabrália Paulista, Paulistânia e Piratininga.
A propriedade teve início com a família Rodrigues Alves, que na época tinha influência econômica e política no cenário brasileiro. O quinto presidente do Brasil (1902-1906), Francisco Rodrigues Alves, pertencia à essa família.
A história relata que a fazenda foi desmatada por dois motivos principais. O primeiro, para facilitar o desmantelamento de comunidades indígenas kaingang que habitavam a região. Os embates entre fazendeiros e indígenas foram tantos que um dos rios locais recebeu o nome de rio Batalha. O segundo motivo para o desmatamento era a criação de grandes áreas de cultivo do café.
A fazenda tem 600 hectares aproximadamente e 35% disso é área considerada reserva legal, área de preservação permanente ou remanescentes florestais
Museu do Café/Fazenda São João
Se a maior parte da vegetação original acabou sendo cortada da propriedade, passados mais de um século, a fazenda virou um local de conservação e de várias atividades históricas, culturais e ambientais.
O biólogo Guilherme Amaral explica que na propriedade há mais de vinte nascentes que abastecem justamente o rio Batalha, importante manancial de abastecimento da região de Bauru.
Ele é representante da atual família dona da área. A fazenda está inserida numa área de Mata Atlântica com a predominância de floresta estacional semi-decidual.
"A gente tem uma área de mata superior ao que é exigido pelo Código Florestal. O Código Florestal exige os seus vinte por cento de área de reserva. E a nossa hoje está entre trinta, quase trinta e cinco por cento da fazenda, entre áreas de preservação permanentes, áreas de reserva dentro e fora de APP, reserva no total da fazenda. A fazenda tem seiscentos hectares aproximadamente e 35% disso é área considerada reserva legal, área de preservação permanente ou remanescentes florestais", explica Guilherme Amaral.
Na propriedade há mais de vinte nascentes que abastecem o rio Batalha, importante manancial de abastecimento da região de Bauru
Museu do Café/Fazenda São João
Desde que Guilherme chegou para morar na área, há cerca de vinte anos, ele vem monitorando a listagem de espécies de animais que vivem na mata preservada.
"Nós temos aqui a onça-parda (Puma concolor) , o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), o gato-mourisco (Puma yagouaroundi) e o gato-do-mato (Leopardus guttulus). Tem também a jaguatirica (Leopardus pardalis). Todos a gente já registrou aqui no Museu do Café e que, portanto, dá a nossa reserva uma significância muito grande, isso em termos de mamíferos, em termos de aves também, a gente tem uma riqueza que beira quase cem espécies. Algumas migratórias como o cabeça-seca (Mycteria americana) ", detalha o biólogo.
O Museu do Café, que funciona na fazenda São João, foi inclusive aprovado recentemente no Sistema Estadual de Museus no Estado de São Paulo. Com isso a instituição deve se tornar uma organização social já que as muitas atividades na área particular têm caráter social e de interesse público.
Fazenda realiza soltura de psitacídeos
Museu do Café/Fazenda São João
A parceria da fazenda com os órgãos e autoridades ligadas ao meio-ambiente fizeram do local um ponto propício à soltura imediata de animais silvestres apreendidos na região de Bauru.
"Vem sendo uma parceria que tem tido sucesso, recentemente tivemos a soltura de um tamanduá-bandeira, tivemos tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), já soltamos muitos psitacídeos, maritaca (Psittacara leucophthalmus) mesmo, papagaio (Amazona aestiva), coleirinho (Sporophila caerulescens), canário-da-terra (Sicalis flaveola), dentre outros. E o que a gente observa é que esses animais permaneceram e/ou retornaram pra cá... e estão aumentando, em termos populacionais, na nossa área. Psitacídeos como papagaio-verdadeiro, a gente vem observando mais e mais, explica."
A fazenda São João e o Museu do Café de Piratininga desenvolvem atividades de educação ambiental com estudantes do ensino infantil até universitário
Museu do Café/Fazenda São João
Além disso, a fazenda São João e o Museu do Café de Piratininga desenvolvem atividades de educação ambiental com estudantes do ensino infantil até universitário. O museu tem um roteiro específico para escolas, com ações que tratam também da problemática da extinção de espécies, da conservação e posse responsável de animais domésticos.
"Recentemente implantamos a 'trilha do mico' que era uma área de ocorrência do mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus). Em parceria com o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE), financiado pela Disney Foundation, a gente implantou essa trilha do mico para falar de extinção. Então o mico ocorria aqui e não ocorre mais", pontua Guilherme Amaral.
Profissionais desenvolvem ações voltadas à conservação da fauna, ao combate à extinção de espécies e posse responsável de animais domésticos
Museu do Café/Fazenda São João
A fazenda que no passado foi testemunha do desmatamento para o cultivo do principal produto agrícola de exportação da época prova que é possível restaurar os ambientes naturais e fazer renascer a diversidade de vida que existia, e resiste, no interior paulista.
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